31.10.09

Cataventos metálicos

Estou no banco de trás de um carro preto, meu irmão, deitado no porta-malas, dormindo.
Sinto um sono quase doentio, uma sensação incômoda de não ter controle sobre mim mesma.
Estou sendo sequestrada. Meu irmão e eu.

No banco da frente, dois homens altos, bonitos e calados.
Eu sou criança, mas também não sou.
Acordo meu irmão discretamente, ele volta para o banco de trás e ficamos juntos, de mãos dadas em silêncio.
Ouço somente o tambor do meu coração.
É um medo que nunca senti. Os homens se entreolham e olham para trás.

Passamos agora por uma espécie de campo com torres altas e discos prateados - como estes parabólicos - só que rodam velozmente, são cataventos metálicos mas servem para outras coisas, não sei dizer. Algo a ver com energia ou comunicação.

Paramos. Faz calor, está seco, mas o sol está quase se pondo.
Entramos num orfanato, asilo, uma construção baixa que se desdobra em inúmeros cômodos e quartos. O lugar está cheio de turistas, crianças...
Há freiras e enfermeiras, e com o Bruno pela mão, sigo andando na frente dos homens sequestradores. Paro em frente a uma senhora de azul marinho com a cabeça coberta como uma freira. Engasgada pelo choro, peço ajuda e explico rapidamente o que está acontecendo
- Você não está segura aqui - ela me fala aflita.

Ainda com o Bruno pela mão, sigo para fora da casa. Nos fundos há um pátio com pessoas trabalhando em uma horta grande. Agora, está ensolarado e as pessoas parecem felizes.
Vejo que há uma outra propriedade, do lado de lá da cerca. Dois homens conversam através da cerca, e ali, há um buraco no arame. Andando calmamente, com medo de despertar desconfianças, penso em passar pelo furo da cerca e pedir ajuda do outro lado.
Mas agora, há Marina, uma menina de cinco anos, oriental, que precisa também sair dali. Eu só sei disso, e não posso deixá-la para trás.

Volto para buscar Marina, e com sucesso atravessamos a cerca para então pedir ajuda ao fazendeiro vizinho. Nesse momento, percebo que é tudo uma armação.
Todos ali são comparsas, coniventes com os sequestrados.
Eu não posso contar com ninguém.

Acordo. Com o coração batendo forte, volto a dormir teimando em achar uma solução. E sigo sonhando:
Se não posso contar com ninguém, vamos correr os três por entre as plantações até chegarmos em algum lugar.

Acordo mais uma vez. O coração ainda disparado, volto a dormir determinada: deve haver algo melhor:
Nessa versão, vamos sorrateiros até o jipe do fazendeiro, e como sou adulta, mas criança, sei dirigir. Roubamos o carro e seguimos até o por do sol por uma estrada de terra e solidão.

Acordo uma última vez. É hora de trabalhar.

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