(Bruno Varjão)
Nasci forte como um tauro deve ser, gaudério da cepa boa. Minha querida mãe sofreu as dores do parto do piá que queria ver o mundo. Isso tudo deu-se em 1890, em uma colônia no interior do Rio Grande Sul.
Por mim, falaria apenas Rio Grande, mas me acusam de ser separatista, por que existe um Rio Grande no nordeste e chamam Rio Grande do Norte. Lá não sopra o vento minuano. Por que não Rio Grande Nordeste?! Parece mais bonito, nem lembro o nome da capital, mas somos mais tauras que aqueles do litoral de cima.
Hoje sou velho, vi vidas e mortes, aliás a vida é a morte vivida. Meu pai morreu antes do parto, ficou preso no galpão que pegava fogo. Quando a fumaça saiu das nossas terras e misturou-se ao pôr-do-sol , já era tarde.
Minha mãe tocou a lida campeira sozinha, até eu ter idade suficiente para ajudar a prenda de meu pai e a santa que me colocou aqui. Rédeas curtas, era assim que ela cuidava dos empregados, de mim, das colheitas e do pão.
Fazia preces ao negrinho do pastoreio para que cuidasse de minha santa mãe, da querência e de mim. Fui crescendo e o trabalho aumentando, minha santa mãe envelhecendo rápido e meus deveres campeiros aumentando.
Aos dezesseis anos senti a primeira dor da vida. Minha querida mãe foi levada pela aquela doença. Em seu último suspiro, no canto do cisne, me disse:
- Filho, que tu seja agora um homem de orgulho e lealdade.
Em 1906, meu coração foi fechado pelo luto. Já era um adulto, cuidando do campo e do gado. Larguei a escola e aprendi com a vida o pouco que sei.
Criei em meu pasto a minha identidade, me chamavam de patrão, me obedeciam; e assim segui por dez anos sem parar, enchi a guaiaca e arrendei novas terras.
Com 26 anos, esse velho já era senhor da região, rico de dinheiro e solidão. Foi então que fui buscar novos negócios na capital. Porto Alegre era grande, muito grande para meus olhos. Conheci um comprador que me chamou para trovar durante a janta em sua casa.
Naquela casa, conheci a bondade. Catarina. Irmã caçula do comprador de gado. Logo, pedi fidelidade, nos casamos. Dei algumas cabeças de presente ao irmão que me deu a minha prenda. Cabelos dourados e olhos cor de céu em dias sem nuvem.
Poucos anos depois ela me deu a primeira felicidade, um guri. Guri que logo herdará parte do que tenho, pois a outra parte vai para a pequena prenda que ,hoje, já não é pequena.
Catarina não resistiu ao parto e me deixou só. Tinha minhas crias pra cuidar e a vida para lamentar. Quando a prole cresceu, mandei para a capital, para que fossem doutores. Mais uma vez ficamos eu e o pampa.
Os anos passaram. Meus filhos cresceram e me deram netos.
Aprendi a ser filho quando fui pai, e aprendi a ser pai quando fui avô. Não tenho a mesma força para a lida campeira, mas ainda tenho voz para mandar.
Hoje, meus netos têm a mesma idade de quando me tornei senhor. Minhas mãos tremem quando seguro o mate. Estou morrendo, sou velho.
Via a Catarina sorrir para mim em meus sonhos. Bela como sempre foi.
Vejo a Catarina sorrir agora, me desperta alívio, será o espírito dela?
Peço a São Pedro que sim.
Nenhum comentário:
Postar um comentário