A noite passada, vomitou sangue. Muito.
Fui vê-lo em abril, assim que voltei de Istambul.
E retornei hoje para um homem totalmente transformado.
Muito mais magro, pálido, sem som na voz rouca.
Ele segurou minha mão e disse:
- Ontem, achei que ia viajar de vez
Beijei sua testa, sua face ossuda:
- Vô, você tem que esperar os bisnetos que darei ao senhor!
Ele sorriu.
Eu chorei. (porque não lhe darei bisnetos? porque não há como ele esperar? por que eu chorei?)
Não tive coragem de dizer muito mais.
Medo dele ouvir na voz, o choro contido.
Nariz escorrido.
- Eu andei distante, nunca tive em fé em nada.
E só para mim, respondi:
- Nunca esteve distante vô. O senhor só não tinha a trena que mede a distância entre Deus e o senhor.
Ontem, o senhor achou a trena e leu a distância. Levou um susto de saber que está bem mais perto que pensava...só isso.
Talvez a morte seja a trena que nos dá a real medida da nossa distância do Divino. Que é curta, a vida toda. Mas só com a morte nos damos conta disso.
...
- Eu li muito, eu pensei muito. E nunca acreditei em nada. Em nada. Mas ontem, eu acreditei. Eu reconheço que estava errado. E que a vida tem mistérios e nós somos feitos de alma. - ele suspirou.
- Eu vou encontrar com a Antônia, ela vai estar flutuando - avisa meu avô Francisco com olhos cerrados, a voz rouca e baixa.
- Ela está entre Oliveiras e vai olhar para mim e dizer - ô, ocê demorou, sô! - e fecha os olhos sorrindo, quase parando de respirar...
...
É possivel que eu seja mesmo muito pouco evoluída já que nessa vida, pouca coisa de terrível me aconteceu até aqui.
A vida é sábia. Desenhou os eventos de tal forma que me preparo para as despedidas dos mais próximos, dizendo adeus aos mais velhos primeiro.
Sendo assim, tenho a suave sensação de que me despedir do meu avô hoje é um jeito de me preparar para um dia, dizer adeus aos meus pais...porque eu não suportaria me desperdir de um deles primeiro, numa inversão da ordem natural, que para mim, é a única suportável nessa vida...
Amiga, Lindas palavras, você conseguiu expressar "grandes" dos nossos sentimentos. bjs sampa
ResponderExcluirevoluída sim, a ponto de entender as próprias fraquezas e se preparar para as mudanças com serenidade.
ResponderExcluir=)
Também fui lá ontem... também ia escrever sobre esse sentimento de despedida. Mas ainda não tenho as palavras...
ResponderExcluirMinha Linda, fiquei muito emocionada com suas palavras... está sendo uma grande experiência e muito gratificante acompanhar bem de perto esses últimos momentos de vida do "Seu Chiquinho", tenho aprendido muito... Não tenho palavras para expressar o que vai no meu coração... Ontem estive com ele, segurando suas mãos, fazendo carinho, procurando confortá-lo e... me despedindo.
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