31.3.10

Número um

A vibração do motor passa pelo banco de plástico e faz cócegas nas minhas costas, bunda e pernas.
Se estico o braço direito, sou capaz de sentir o frio que entra pela janela da frente, com o quebra-vento aberto. Estou no fusca vermelho-telha e meu pai dirige na W-3 norte. É 1974, fim de tarde. De onde estou, vejo o céu de Brasília, anil e rosa. Rosa também é a cor da calça de brim do meu pai. Boca de sino e cintura baixa. A mão direita na direção, a esquerda segura o cigarro Hilton.
Ouço o barulho da seta - tec, tec, tec, tec, tec - e o Fusca estaciona em frente à concessionária Disbrave do início da Avenida. Antecipando, me apóio no banco da frente e ponho os pés sobre o assento: de longe, vejo minha mãe. Ela nos encontra num semi-sorriso, com um vestido de florzinhas miúdas e a barriga imensa de grávida. O mês tem que ser setembro, meu irmão nasce em novembro. Já dentro do carro, seguimos para nossa casa, na 105 norte. Dali, só me lembro do cheiro liso do chão preto e brilhante debaixo do bloco. E um gramadão imenso para quem tem dois anos. Da casa, lembro do chão em taco parquet num zigue-zague de tons e geometria. E o aroma da madeira espelhada de cera.

Aqui é minha primeira memória de Brasília: em cima, um infinito incrivelmente azul. debaixo dos meus pés, o chão firme do apartamento novinho. E dentro do Fusca vermelho-telha, afeto: minha mãe, meu pai, meu irmão e eu - souvenirs de amor da nova capital.

para meus pais.

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