Coisas e pessoas têm me empurrado a pensar em Nova York.
Quase todos os dias ouço de um ou de outro os planos de viagem para a capital do mundo. - Fora todas as todas as outras tantas referências cotidianas em filmes, revistas, leituras.
Uma amiga me perguntou outro dia - você sente saudades?
- Não, eu respondi - e ela retrucou:
- Mas o seu olho brilha quando fala de lá.
Me calei. Eu sei que brilha. Eu sinto que brilha. Mas não é de saudade.
É que me dou conta da sorte que tive - de viver 6 anos (nos meus 20!) num lugar que tinha muito pra me ensinar.
Aprendi minha profissão, aprendi a ter um relacionamento, aprendi a viver só.
Se eu teria aprendido tudo isso aqui mesmo, em Brasília? Não.
Além do inglês fluente, do senso ético naiive, da assertividade na relação com as pessoas, em Nova York eu senti SAUDADE DE MIM.
Mulher, latina, pobre. A noção de não pertecer foi constante na minha vida como imigrante porque eu não me sentia parte de grupo algum:
A comunidade latina tinha preconceitos contra os brasileiros porque não falamos espanhol; eles acham a gente legal e tal, mas não pertencemos e ponto.
Os brancos americanos acham que somos incríveis, lindos, criativos, exuberantes. Mas não assim, moça pra casar.
Os negros americanos acham que somos brancos demais e estão muito ocupados cavando o próprio espaço. Não dá pra ser minoria da minoria.
O curioso é que, alheia a tudo isso, fui inventando meu nicho, criando amizades e ligações com pessoas que eu JAMAIS teria conhecido se já tivesse todos os pré-conceitos que acabei de descrever! O fato de eu não saber que as pessoas me viam assim ou assado, me fizeram cortar o universo americano numa porção transversal só minha.
Daí que eu conheci pessoas no curso de cinema que eram de todo lugar. Minha melhor amiga calhou de ser inglesa, a Gayle. E meu único amigo brasileiro, o Antônio, me apresentou para minha companheira de quarto, a Beth, que havia morado no Brasil, mas também na Índia e que além de cozinhar e cantar lindamente, tinha um leque de amigos do mundo arte - do qual tirou do chapéu meu namorado (de cinco anos), que apesar de sair do mundo arte, era banqueiro do mercado financeiro, milionário e judeu.
E o Ethan abriu o outro mundo, o mundo capital - onde ninguém era o que parecia e nós dois éramos as figurinhas exóticas.
Nas rodas dos casamentos e jantares milionários eu era o animalzinho da vitrine e comecei a notar isso. Ao invés de me incomodar, passei a ter um certo orgulho de NÃO PERTENCER. Fazia questão de ser incrivelmente simpática, doce, meiga, e ainda assim, desfilar de biquini nos casarões de verão, sem sapatos, sem dinheiro, sem qualquer compromisso com os bons modos protestantes.
Eu não me sentia eu mesma. Mas eu não era EU para mais ninguém além de mim, logo, pouco importava quem eu estava SENDO. Porque no final, tudo era EU. Se é que me entendem.
Fiz grandes amigos, muitos americanos, inventei rotinas, jeitos e manias. Fui me moldando àquela multi realidade, até que um dia bateu forte uma sensação de PERDA:
eu fui trabalhar numa ONG ambientalista, a sede era no Zoológico do Bronx. Peguei o metrô Uptwon 9. E ali, me vi perdida. Eu era a única mulher branca do vagão. Estava de pé num trem lotado de homens e mulheres negros. Senti os olhares, senti os suaves cutucões, deu uma vergonha, um medo, uma dor de ser EU. Saí do metrô sufocada. E a sensação de ir e voltar do trabalho, somadas aos quase seis anos que eu já morava no exterior me fizeram sentir uma SAUDADE ENORME DE MIM.
Eu quis voltar. Mais forte que tudo, mais forte que nunca. Eu quis voltar porque eu entendi: eu posso ser quem eu quiser, aonde eu quiser.
Trouxe de lá um forte sentido de ser indivíduo multifacetado. Cameleônica, adaptável, resignada e rebelde. E daí que hoje eu tenho RESPEITO. Por quase todo mundo. E por muitos que eu não teria, caso não tivesse me perdido e me achado.
Não, não é saudades de Nova York. Às vezes, sinto saudades de MIM.
Aí, me dou um abraço, me faço um bom jantar...
Mato as saudades de mim e fico com as boas lembranças de onde vivi.
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