Era novo, japonês e muito engraçado.
Mas, tudo que pude fazer foi chorar com pena de mim mesma.
O que será de mim, do Templo, sem o monge Haritani?
Por que levo outra bordoada da vida, justo agora, no virar da folhinha?
Por que tanta coisa difícil, dura, triste, doída para mim?
Chorei sozinha, acendi as velas e meu incenso. Até hoje não tenho um altar budista em casa.
Toda semana me prometia ir aos aos ofícios ministrados por ele. Há tempos não vou meditar.
Culpa, irresponsabilidade, indisciplina, preguiça, falta de fé. Agora, ele morreu.
Fui me despedir do corpo na nave do Templo. Cruzei com um calango na calçada com a cor da cauda radicalmente diferente do corpo. Esse sofreu um atropelamento ou algo assim, pensei. E taí, correndo pra rua de novo, recriminei.
Mas, como o monge, o calango teima em viver com fé.
No monge, a fé era simplesmente física, palpável, medida no sorriso, no gesto suave, no ritmo certo do canto, na belíssima voz entoando o mantra.
No calango, a fé vem do equilíbrio da nova cauda, na certeza de que há melhor gramado do outro lado do asfalto. No simples fato de viver o momento, o aqui agora e ponto final.
Como todos, eu sofro as perdas e tristezas da vida. Particularmente, esse ano foi bem sofrido, em muitos sentidos. Mas como o calango, minha cauda teima em renascer, se reconfigura, de outra cor talvez, mas me dá o equilíbrio e a integridade para seguir nas calçadas da vida.
Como o monge Haritani, eu não duvido da vontade do Buda de me ver feliz. A minha fraqueza é duvidar da minha própria força, da minha própria fé em mim.
E vendo o monge, eu via o Buda.
E é isso que dói nessa despedida.
No meu egoísmo, eu só penso em como será daqui pra frente sem o monge. O calango atravessa o asfalto e se mistura na grama verde.
É fim de tarde. Vamos tocar o sino no lugar do monge Haritani.
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