No pátio largo do colégio, as meninas brincam de queimada - um jogo de bola em que, quem ganha é o time que queima todo o time oponente: a bola bate no jogador e cai no chão.
Agora no jogo, resta uma jogadora de cada lado.
As melhores, as rivais. Então, num súbito gesto, a menina menor estica o braço bem de lado, para ser pega pela bola que vem com toda velocidade.
Queimada! Fim do jogo.
O braço com um vergão vermelho-fogo no sol do meio da manhã.
A menina alcança a bola que quica até o meio-fio. Volta com um meio sorriso, joga a bola para a vencedora e corre para o banheiro.
No frescor dos azulejos, o espelho à altura das meninas de 8 anos, a garota abre a torneira, tira o elástico do cabelo liso e comprido, todo desgrenhado. Olha as bochechas rosadas no espelho. Abaixa a cabeça e molha o rosto, a nuca, o braço marcado da bola.
Na volta do rosto ao espelho, vê ali, atrás da imagem de menina, uma moça. Os mesmos olhos castanhos. Os mesmos cabelos lisos.
- Perdeu o jogo? - a moça pergunta olhando a menina pelo espelho.
- Não perdi, entreguei - responde rápido a garota irritada.
A moça pega os cabelos da menina e entrelaça nas mãos firmes. Lentamente, reconstrói o rabo de cavalo alto, escovando com os dedos todos os fios desde a testa até a nuca.
- Mas entregou com medo de perder?
- Não. Com medo de não saber se ia ganhar.
A moça sorri. O penteado está pronto. Perfeito. Ela vira a menina, e olha dentro dos pequenos olhos castanhos.
- Se você entregar o jogo sempre, nunca vai saber se poderia ganhar.
- Se eu não jogar do meu jeito, prefiro não jogar.
- Se você não jogar, nunca vai ganhar.
Silêncio.
A menina abaixa os olhos e pensa numa solução. Levanta o queixo quase sorrindo:
- Se eu não jogar do meu jeito, é mais difícil de ganhar.
- Você não sabe disso porque você nunca experimentou.
- Eu não quero experimentar.
- Se você não experimentar, nunca vai saber se poderia ganhar.
Outro silêncio.
A menina abraça o pescoço da moça.
- Se eu jogar de novo e não me entregar e perder, você ainda vai gostar de mim?
- Vou.
- E você vai assistir o jogo mesmo assim?
- Do começo ao fim. - dá um beijo leve na marca rosada na pele do braço. - Agora, diga pra mim? - vou experimentar outro jeito de jogar, se eu perder ou se eu ganhar.
- Tá. Eu vou.
Dá um beijo rápido na bochecha da moça. Sai correndo do banheiro.
Fica a moça. O espelho reflete na altura do coração.
Muito lindo. E inspirador.
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