Não tinha jeito. Lá em casa, se a gente escolhesse alguma coisa, tinha que ir até o fim. Não entendia muito bem o que isso significava, mas depois de 3 anos consecutivos implorando pra entrar na aula de jazz, meu pai me deu de presente, aos 12 anos, a matrícula da Academia Lúcia Toller.
Fiquei muito sem graça. Acho que foi a única surpresa da minha vida inteira.
As aulas eram três vezes por semana, no fim da tarde. Nos dias intercalados, tinha aulas de piano.
A minha primeira aula foi com uma amiga da escola. Ela já fazia ballet, mas era um alívio ver uma cara conhecida na sala.
Eu não tinha malha, meia-calça, sapatilha. Peguei um maiô da minha mãe, uma meia-calça social e cortei os pés. Fiz minha primeira aula descalça.
Ao chegar na sala, toda espelhada com barras de ferro em duas alturas rodeando toda a extensão das paredes, me dei conta - eu teria que me olhar no espelho.
Senti uma timidez profunda.
Vergonha do desenho do meu corpo, com seios de mulher e barriga saliente de menina.
Fiz a aula de camiseta, não tive coragem de ficar de maiô.
A aula seguia a dinâmica do ballet clássico - aquecimento na barra, barra, diagonal, centro, coreografia.
Os movimentos foram abaixando minha ansiedade e na hora da diagonal - que é quando aprendemos os saltos - me senti livre, feliz, voando.
Já não me lembrava da grossura das minhas coxas, da largura dos meus quadris. Já não me sentia feia, deslocada, baixinha, gordinha.
Eu dançava. E assim seria por muitos e muitos anos.
Na volta da academia, a pé, segui as rachaduras das calçadas causadas pelas imensas árvores que arborizam a Asa Sul. A força daquelas raízes empurravam o concreto, e de quebra nasciam gramas, florzinhas, saídas de formigueiros por entre as cavidades duras do chão.
Durante anos percorri o mesmo caminho, em diversas horas do dia, nos finais de semana, nas férias da escola.
As raízes quebravam o concreto, a dança moldava meu corpo.
Hoje vejo que foi dançando que me senti mulher - não foi o sutiã, nem as cólicas mensais, muito menos o primeiro beijo.
Dançar me acordou pra mim. E todos os anos seguintes percebia a cada aula, quem eu era e quem eu gostaria de ser.
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