O conservatório de música de Brasília ficava na 503 sul, bem na esquina.
Além de já usar sutiã, comecei a frequentar as aulas, duas vezes por semana, agora usando moddess aderente à calcinha.
As aulas de teoria eram numa sala minúscula e abafada, e eu sempre chegava atrasada. Era irresistível: eu dormia profundamente. Daqueles cochilos do pescoço cair pra frente e o lápis cair da mão. Nas provas, me saía bem o suficiente para passar raspando.
As aulas práticas eram no andar de cima, as pernas pareciam pesar mil quilos para chegar até lá. A professora era gordinha, baixinha, simpática. Estudava as peças dificílimas e em cada prova, passava de raspão. Ela me elogiava mas exigia mais dedicação.
E eu não queria me dedicar: além do piano, fazia também aulas de inglês e finalmente começava as aulas de dança que estavam consumindo meu coração de paixão.
Eu tinha que arranjar um jeito de convencer meus pais que música não era pra mim, mas que a culpa não era minha. E assim fiz:
Eis que chegou a fase da prova final - eu deveria me apresentar num pequeno recital de piano para uma banca de professores que me aprovariam para o Técnico - que é tipo um segundo grau para os músicos, hora de começar a pensar qual instrumento você quer ter quando crescer, tal.
Estudei o quanto eu consegui. A prova teórica veio primeiro. Eu mal consegui ficar acordada para terminar. E não passei.
O dia do recital chegou e estava nervosa. Além da peça que ensaiei muito, tinha que tocar dois ou três exercícios de escalas.
Era uma sala maior de todas, as professoras me olhavam com silêncio e carinho.
Mas eu não merecia. Errei inúmeras vezes, recomecei duas ou três.
E quanto mais eu tocava, menos eu enxergava a partitura, o teclado.
Estava surda, suada, e com o choro preso nos lábios.
Ao final, o olhar de piedade de todos já me dava a nota - saí da sala para chorar lá na W3.
Se eu soubesse que a metade era TPM... Mas eu tinha feito 13 anos, o elástico do sutiã apertava, a dor no pé da barriga era uma novidade grande demais, e aquela reprovação me fez a pior nova mulher do planeta!
A professora me explicou que meus dedos eram muito pequenos, que eu precisaria de mais um ano de prática para fazer a nova prova e que aí, quem sabe com dedos crescidos, passaria para o Técnico.
Voltei pra casa com a desculpa na ponta da língua:
- a professora falou que meus dedos são pequenos e como o médico disse que eu não vou mais crescer porque já fiquei menstruada, então minha carreira de pianista se encerra aqui. Eu não alcanço uma oitava com os dedos de cada mão. Não posso mais estudar piano.
Abandonei a música. Nunca fui me despedir da professora, nunca mais passei na frente do Conservatório.
E nunca mais o piano de casa tocou nas tardes quentes dos dias de escola.
Passados tantos anos, ele me olha com dor de desafinado, humilhado, incompreendido. Tipo eu quando saí daquela sala de recital.
O piano da sala e eu nos amamos sem nunca mais nos tocarmos.
Lindo... Fiquei de olhos cheios de lágrimas, porque eu, ao contrário, com mãos enormes de pianista (segundo um professor que tive) e sonhando com isso, nunca pude aprender...
ResponderExcluirAcho que meu próximo passo importante na vida será comprar um piano.
ai, ai... suspiro... eu fiz conservatório uns dois ou três anos, sem quase nunca ter tocado num instrumento. usei um violão do meu (odiado) padrasto e acho q por isso mesmo larguei da música, nem lembro qdo... queria ter a memória viva pra lembrar dessas sensações, assim como vc!
ResponderExcluirconta agora das aulas de jazz!
bjosssssssss