E lá vou eu para a casa da Valéria, a nova professora de piano.
Meu mau humor aumentou porque a casa dela era mais longe, o sol era mais forte, e a preguiça maior - estava entrando na adolescência, aquele sooono depois do almoço era totalmente incompatível com qualquer atividade intelectual.
Mas piano não era atividade, era chatice.
Então, lá vou eu, bocejando pela estrada a fora.
Toco a campainha fanha. Péeee.
Valéria abre a porta.
Ela era morena jambo, uns cabelos cacheados até os ombros.
Vestia uma blusa amarelo ovo que eu achei lindademorrer, calça jeans, sem sapatos.
Tinha um sorriso lindo e me deu beijo na bochecha.
O apartamento era iluminado graças à varanda larga, com cortinas fininhas nas paredes. O vento quente com cheiro do fim das chuvas entrava junto com a luz.
O piano ficava contra a parede do fim da sala de modo que se eu olhasse sobre o ombro direito via o Eixo Rodoviário, o Eixão da Asa Sul.
As aulas tinham a mesma rotina, mas Valéria era diferente da Regina.
Ela sorria. Ela me elogiava. E o melhor de tudo: ela tocava piano pra mim!
Todo fim de aula, a peça que eu pedisse - Bach, Bethoven, Chopin, Strauss, qualquer um da pilha de livros, partituras! Escolhia a que tinha mais risquinhos nas pautas, com o tempo mais rápido, com as notas mais estacatas!
E Valéria me ensinou como a música pode ser divertida.
Eu me apaixonei tanto por ela e ela por mim, que o piano virou a melhor hora do dia.
Voltava para casa e tocava insistentemente. Queria ter certeza que a Valéria iria gostar da lição. Chegava contando histórias da escola, solfejava me achando a melhor cantora do planeta.
Meu ouvido, minha sensibilidade, meu amor pelo instrumento, tudo cresceu rapidamente num curto espaço de tempo. Foi também quando comecei a usar sutiã.
Valéria não foi minha professora de piano por muito tempo. Acho que de tanto me dedicar, um dia ela me deu um papelzinho com o endereço e o telefone - de novo - de uma nova professora.
- Você já está muito adiantada, não tenho mais como ensinar você.
Beijou minha outra bochecha e me deu um abraço bem apertado e cheio de sorrisos.
Era minha hora de conhecer a Mãe de Todas as Professoras: a Dona Rosália.
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