9.8.06

A cor era o marrom

Meu avô morreu de câncer.
O telefone da minha sala tocou, num prédio alto do Soho. Era a voz rouca da minha mãe. Desliguei, me despedi do meu chefe, peguei o metrô, fiz uma sacola com o passaporte, peguei um taxi pro aeroporto. Daí, chorei.

Porque morte de longe, dói mais. E se eu morresse longe?
Quase 30 horas depois, na frente do caixão, ele tão pequenino, a barba longa tão branca.
A morte de perto assusta demais.
Na Páscoa, ele no hospital, demente, alucinando, me pediu um boina marrom do estrangeiro. Assenti com a cabeça, o peito cheio de ódio - não deixavam ele morrer porque todo mundo tinha medo do vazio, do dia de depois do enterro. Não deixavam ele morrer!

Então, dia 8 de agosto, morreu suplicando, morreu triste, louco, magro. Sem a vaidade que o acompanhou a vida toda - no perfume, na barba tingida, nas unhas sempre muito limpas - sem a dignidade do terno passado, da boina marrom...vovô, eu não trouxe sua boina marrom!

De você eu trago a piada na ponta da língua, a risada alta em qualquer hora, a grosseria repentina. A lealdade feroz, a dureza com os de perto, a mão estendida pra quem vem de longe. O amor pelas histórias, contos, casos, doce com café. E a fé interminável na vida.

Saudade de longe e de perto, na morte é toda igual.
Da sua netinha, Fabiana Maria

Nenhum comentário:

Postar um comentário