23.11.07

Ressonância

Marquei o exame pra às 18h, mas cheguei lá às 17h porque queria fazer os tais exames de sangue que a ginecologista pediu.
Mas antes, claro, entrei na clínica errada.
- tem certeza que marcou pra hoje?
- sim - respondo meio aérea (meio???)
- não vejo seu nome aqui para este horário
- inclusive, liguei hoje de manhã pra confirmar
- na clínica vilas boas?
- não! na clínica vila rica
- ah! não é aqui não...
Fala sério! Pra que duas clínicas com nome de Vila há menos de 500 metros uma da outra fazendo os mesmos serviços? Ando os tais 500 metros e pego a senha 466 - o guichê chamava a 461. Saí dali e entrei na sala ao lado. Poderia fazer os exames de sangue enquanto espero a ressonância. Pego a senha 27 - eu adoro esse número. Era meu número da chamada na quinta série do Rosário - a professora de francês nos chamava pelo número (como no MacDonald´s!) e como eu consigo me lembrar disso e do primeiro número de telefone da minha avó...
Tem um senhor número 26 sendo atendido. Ele marca o exame de uma terceira pessoa. Espero uns cinco minutos que parecem mil. O ar condicionado está desligado, está abafado. Chega minha vez.
- queria coletar sangue pra esses exames aqui
- hmmm, xô...são quatro horas de jejum
- han, han, estou de jejum
- é convênio?
- han, han, aqui minha carteirinha
- hmm, então, o laboratório só funciona até às 16h pra coleta.
- (putamerda, por que não foi a primeira coisa que o cara falou? perdi 3 minutos da minha vida nesse guichê de merda e fora os outros 5 minutos esperando o número 27!...) ah, tá. obrigada.
- de nada

Volto pra clínica vilas boas, quero dizer, vila rica - tá na senha 463. tá quente, confuso, barulhento. eu não entendo porque as pessoas insistem em ligar a tevê de plasma com o volume alto em Malhação pra gritar uns com os outros...
Uma mulher fura a fila na cara dura.
A maioria da sala de espera é de mulheres. para exames e como acompanhantes. os homens não acompanham as mulheres quando elas adoecem. as mulheres acompanham as mulheres, as mulheres acompanham os homens. os homens não.
Minha vez. Faço a ficha, assino aqui, asino ali, respondo dois questionários - fez cirurgia, tem filho, é casada? - essas perguntas que elevam a auto-estima de quem está triste com tudo e ainda com a saúde frágil. - sim, não, não. Posso aguardar lá dentro.
Um corredor branco com luz demais. Um quadro amarelo abstrato feio de doer, mas que consigo enxergar um coração alado. Bate uma solidão funda. Tenho pena de mim sentada sozinha numa sala de espera para um ressonância magnética da coluna cervical. Fico com vontade de chorar e deitar no sofazinho. Estou há 20 minutos esperando, olho o celular pra ver a hora...mas na verdade é pra me certificar que não perdi nenhuma ligação. Não, não, ninguém me ligou mesmo. Olho os pauzinhos da antena...sim, tá ok, com sinal cem por cento. Mais vontade de chorar.
Chamam meu nome - Fabiana Maria - oi tudo bem, entra ali, tira a roupa, veste esse pijama, me espera aqui.
Ah, legal. Já estou me sentindo a rainha da cocada preta e agora com esse pijama beige 5 números maior, ô, bem melhor.
Entro na cama de ressonância. E por incrível que pareça, acho minha paz. Aquele ruído na cabeça, o tremor, os diversos barulhinhos, a ordem - não engole, não mexe a cabeça - de repente, tudo faz sentido.
Penso em todas as coisas ruins, os sentimentos, todos. Exorciso com aquele baruho ensurdecedor tudo de mal em mim - que queimem naquela cama radioativa! Amém!
- Pronto, aqui seu protocolo. Obrigada, boa tarde.
Ponho toda a roupa de volta, saio em silêncio e em paz.
Dentro no carro, aquela vontade de chorar. Parei na frente do cemitério, as flores estão lindas pra vender. Eu merecia um buquê de flores das mais cheirosas - mas não vou me dar esse luxo...até porque, nem tenho dinheiro na carteira. Os olhos agora, cheio de novas lágrimas.
Ah, que bom, vou pra casa poder chorar...ameaça chuva, melhor ainda...
Fiz yoga, tomei banho, comi sucrilhos, vi tevê, deitei pra dormir.
Deu três da manhã e me lembrei que não tirei o brinco da orelha esquerda pra fazer a ressonância.

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