30.3.07

De perdas

Vou perdendo tudo, aos poucos:
no segundo ano, os documentários passaram a ser editados de manhã
para mim, sobraram os programas fixos, institucionais
no terceiro ano, o Ernani mudou de horário
para mim, ficaram o descompasso, o fora de sinc, os calhaus
e quando dá tempo, as entrevistas
no quarto ano, começo ocupando o mesmo espaço físico que o novo editor
agora com mais uma hora diária
e herdando o melhor programa mas sem direção nenhuma
claro, somando todas as perdas dos anos anteriores...

Perco aqui, ganho em outras coisas
Quitei meu carro - com o salário daqui
Fiz outra graduação - com o salário daqui
Peguei o empréstimo da Caixa - com o salário daqui
E me vejo escrava de um salário que é só isso mesmo: um tapa buracos
Para construir uma escada que nem sei onde deveria chegar!

O que era pra ser provisório, ficou permanente sem eu nem perceber
É o preço de perder mais uma coisa: os culhões de chutar o balde, de ser topetuda, impulsiva

Perdi as garras, ganhei angústias de dívidas
De sapatos velhos, sala sem sofá, um dia de sete horas com nada instigante

Então, dada a sétima hora,
Chego na casa com coisas a fazer
Como o que tem - não recebi o salário de mês
Recuso educadamente o chopp na esquina - não recebi o salário do mês
Desligo rapidamente o celular - não paguei a conta do mês
Tomo banho de luz apagada - não quero enxergar os tantos pensamentos (ou não recebi o salário do mês?)
Deito na cama - que ainda falta 6 de 500 pra quitar - mas eu adoraria já ter trocado por uma que eu desenhei na minha cabeça e nunca virou realidade

Então durmo um sonho triste e pesado. Assim como todos os outros brasileiros.

27.3.07

Cores

O camaleão perdeu a cor
Todas as cores
E se tivesse escamas
Estaria soltando aquela pele furta-cor

Subiu no galho mais alto
E não virou de cor de árvore

Seus olhos 360 graus viram alto o azul anil
E não mudou de tom

Sentiu a brisa mais forte
Mas não sabe se é branca, creme, lilás
Também não quer saber
Só ouvir o zunido
Pelos furinhos na cabeça - pois não tem orelhas...

O camaleão em silêncio
Vê pequenos insetos fugirem
Ele não está disfarçado!
Como pegar a próxima presa?

Ele vira de lado com a cabeça inclinada
Parece que ri
Não há fome
Nem tonalidades de

É que já mudou tanto de cor
Já foi árvore, folha, chão molhado...

E agora
Não mais

O Camaleão não é mais invisível
Como quando teve tantas cores
É cor de carne e veias
É cru
É vivo
Pulsa
Exala
Transforma o que foi
No que é

26.3.07

Alívio

É bom saber que tudo está bem
Mesmo quando fui eu quem causou a questã

Um deleite sentir
Que ainda com a culpa toda minha
Existe um carinho e um bem querer

É um alívio saber
Que tem gente que ainda gosta de mim
Mesmo assim

Rindo

Risadas a toda
Na hora de ir dormir

Cócegas nas plantas dos pés
De sair lágrimas sem parar

Adolescentes
Crianças
Que se cuidam e

E no descuido
Tudo é

Mais infantil
Mais ingênuo
Mais frágil
Mais firme
Mais sério
Mais sereno
Mais moderno
Mais velho

Que esses quatro meses de vida

23.3.07

Observatório

Eu tô só olhando de longe
você e eu nesse mundo véi
Anotando os gostares
As diferenças
E colocando estrelinhas no itens a revisar

Te vejo numa distância segura
Pra entender o que tica
O que dispara
O que faz você respirar
além desse ar seco daqui

Encarnação de mim

Encarnado.
Do espírito, das víceras.

De carne e de sonho.
Vermelho de dentro de quem sou.

Toda, uma descoberta pequena
E não quero mais ser
Inventei outra
De passo curto, mas certo

Carma
Desencarna
E flui o alívio de não ser ela

Encarnar
Tomar posse de mim
Do físico, do químico, do transcendental

Eu sei tudo de amar
Sobre amar
Para amar
A mim

19.3.07

Virgo

People with a fraction of your savvy and resources may try to manipulate you into serving their aims. Politely ignore their pressure. This is a time when you should be enjoying your hard-earned goodies with pure relish, not worrying about them or defending them or trying to adjust them to fit anyone else's specifications.

Yes, sir.

16.3.07

Através de alguém

Eu fui convidada para o casamento de uma meia prima, mas não tenho certeza se foi de coração.
Vou porque tenho culpa de deixar a pessoa pagar a janta pra mais um, e esse um não ir.
Quero dizer, dois. Talvez por isso até a incerteza de não vir com amor - o convite, eu digo. Vou levar mais uma boca pra comer, era só o que faltava.

Aliás, tem me faltado convites.
Para o almoço de hoje, por exemplo.
Não me convidaram, mas sem querer, eu tava lá.
E no fundo, ninguém se importa. Se eu fui ou não.

E essa mesma prima torta não me convidou para o chá de panela. Não que eu adorasse ter ido, mas aí no dia seguinte, ficou assim estranho um almoço que todo mundo elogiava a farra, e eu no silêncio - me bateu uma coisa de que talvez ela tenha me convidado "através" da minha cunhada - e esta, esqueceu de me comunicar - será que ficou parecendo que eu fiz desfeita?
Até agora, não sei. Esqueço de esclarecer.

E um outro evento, hoje à noite. Que não fui formalmente convidada, mas deduzo que "através" dos meus pais, é pra eu ir também. O pior - se eu não for, podem achar que sou eu que estou de má vontade. Nem fui à missa da formatura! Imagina! (eu fiquei sabendo uma hora antes o local da cerimônia, "através" do meu pai)

Um casal de primos de fora que estão por aqui, combinam de sair com o meu irmão, e este me diz que ligará para me dizer onde estarão. Mas não liga.
Talvez, não tenham saído. Ou, ficaram esperando um "através" pra me ligar.

Achei que eu não me importava.
Mas me importo. Não com os eventos, com as ausências de convites!
Me incomoda o "através", o intermediador, a pessoa do meio - entre a pessoa que não se lembra de me convidar e eu. E tudo que ocorre no meio.

A Cláudia perdeu um amigo para a noiva dele.
Eu perdi uma grande amiga para a loucura dela.
Não sinto saudades de família.
Mas prefiria ser tratada por inteira, que me olhassem nos olhos, me dirigissem a palavra do convite.
Ou não.
Através é que não dá.

14.3.07

Inércia

Hoje bateu um desânimo.
Uma vontade de jogar tudo na última gaveta da estante.
Deixa lá, junto com clips enferrujado, 3x4 velhas, cartão de visita do gerente do banco.

Não tive vontade de sair da cama. Mas saí.
Não quis fazer as unhas. Mas fiz.
Não tô com vontade de escrever. Mas tô aqui.

E se eu parar de insistir? O que será que acontece?

12.3.07

Domingo

O que eu acho que o que aconteceu foi mais ou menos assim:
A mãe entra domingo adentro no quarto da adolescente dorminhoca - afinal, são NOVE da manhã!
A moça grita de susto, mas antes de qualquer outro ruído -
Uma voz de homem, (ou seria de mãe brava?) num microfone
- Que Jesus esteja com você!
E daí, pra frente, até umas dez horas, fui obrigada a ser catequizada por um pastor qualquer
Na janela do outro lado do prédio, vinha a voz cavernosa com erros gramaticais terríveis pregando contra o namoro
- Porque namoro não é jeito de se conhecer alguém. Namoro é assim, vai indo, vai indo...
Annn, penso eu ... a idéia não seria essa mesmo?
- Porque se ele fosse a pessoa certa, a conta telefônica não estava mais alta!
Ué! No meu caso, é exatamente ao contrário...
Foi me dando pena da moça. Que inferno ser evangélica, eu pensei. Ou melhor, ter uma mãe louca.
O sermão foi longe. Maldizendo o namoro. Não foi usada a palavra sexo, gravidez, nada disso. Mas demônio, exorcismo, maldição, ix - demais.
Eu acordei com isso, mas decidi não me chatear.
Fui ao parque, lotado. Ai, isso me irritou. Só que a cada passo no sol queimando, eu ia mais e mais gostando de todas as pessoas que passavam por mim.

Na verdade, todo mundo erra. Mas sempre pensando em acertar.

9.3.07

Mãe

eu sonhei com a minha mãe
ela era minha mãe mesmo!
tava lá, o sonho inteiro, só cuidando de mim
e acontecia um tanto de coisa nesse sonho
uma poluição visual
e gente
e barulho que não terminava!

a minha mãe ficava lá, o todo tempo,
somente pra ficar do meu lado

não é só nos sonhos não, né mãezinha?

6.3.07

Carta de Amor

Querido,
dormi mal.
Todos os barulhos da noite me acordaram.
Abracei o travesseiro
Seu cheiro sumiu!

A faxineira foi lá em casa
Lavou o lençol
Botou duas toalhas no banheiro
Ai!

Pensei em você
Pensei em você
Pensei em você

Falei de você
Falei com você
Pensei em você

E principalmente, na sua delicadeza
Em como você é uma pessoa que olha
Que enxerga
Que vê de longe
E ainda assim, tão delicado!

Aí bate mais saudade
Do jeito que você ME olha!

Eu fecho os olhos e, meio rindo
Das suas piadas
Das suas risadas

Só sua voz, só...
Já vou já pedir arrego!

Se não fosse pela conta bancária
Pela pilha de livros
E a rotina no trabalho
Juro que corria até encontrar você onde está!
Juro que não sabia que era assim...
Juro juro juro
Que não vou mais deixar você ficar longe de mim!

Um beijo

5.3.07

Viagem

Ainda virão doze - DOZE dias!
e eu mal consigo respirar!

Já!
Achei que a saudade ia bater de longe no começo
De com força só na hora de levantar
Buscar no aeroporto
Ganhar um beijo
Dar um abraço apertado

Ai.
Pensei que ausência seria
Totalmente administrável
Entre sono, estudo, trabalho
Ha!

É...
Repeti na minha cabeça cem vezes
Será bom ficar longe
Será bom ficar longe
Será bom ficar longe

E agora
Mais cem vezes bate meu peito
Que horrível essa falta
Essa falta vazia
Tão vazia que nem se vê
A saudade de você.