29.3.08

...sábado à noite...

uma chuvina boa...
uma fominha boa...
uma caminha boa...
e um tantão de coisas pra terminar de montar!
trampando, trampando, trampando!

- preciso urgentemente de uma massagem mega relax nos meus ombrinhos -

27.3.08

Ciranda da vida

Ciranda, cirandinha, vamos todos cirandar
Vamos dar a meia volta, volta e meia vamos dar
O anel que tu me destes era vidro e se quebrou

O amor que tu me tinhas era pouco e se acabou

26.3.08

Em casa

As novidades?
Esqueci de pagar o condomínio - agora, multa
A Renner pôs meu nome no SPC mas não me mandou o boleto para pagar a tal conta que está no SPC
Meu carro está com um barulho estranho
Todas as minhas roupas decentes estão sujas e a Antônia só vem na próxima semana - comprei um jeans pra trabalhar amanhã
Sim, peguei um freela rala bucho - a grana é pouca, mas vou me mexer - e como!
Não tem nada pra comer na minha geladeira - só o que estragou, logo, não dá pra comer
Estou louca de saudades do Enzo
Estou louca de saudades da meditação
Estou louca de saudades!!!

20.3.08

Sampa



Fazer as malas tem que ser um ritual pra entrar no clima.
Confesso que estou indo pra São Paulo muito mais por medo de ficar em Brasília sozinha no feriado - o noivado da Bia carregou minha família toda pra lá - do que a real animação de mais uns dias dormindo na minha não cama, não casa...
Mas, acordei do sono pesado de cerveja e bom papo, troquei alguns emails e comecei a pensar nas roupas pra levar.
Daí, me animei.
Vou `a Pinacoteca e descolei o endereço do Templo Budista de São Paulo.
Rever amigas casadinhas, com filhinhas, andar pela Paulista
Dar uma banda na feirinha da Benedito Calixto.
Marquei com a Cris de jantar no Grazia a Dio - torcer pra banda de música cubana tocar som do bom!
Vai ser legal, eu sei.
E se não for, tudo bem.
Uma hora, volto pra casa, e ponto.
Tudo bem.

18.3.08

Vôo 1766

Havia dúvidas no ar.
E uma desconcertante inquietação.
Esquecera o cartão de crédito e pensou na faxineira.
Mandara uma mensagem pelo celular, para imediatamente se arrepender.
Fechou os olhos e para o lado, pensou na morte da mãe.
Era a primeira vez que viajavam as duas - mãe e filha - para o que deveriam ser as férias de verão.
Antes mesmo de decolar, já lamentava a decisão de ir ao Rio:
o lugar das pessoas lindas por fora.
E repassava na cabeça os porquês de sair de Brasília por uns dias -
o torcicolo insuportável causado pelo sofá e pela TV a cabo;
o computador para qualquer hora da noite e do dia;
a chuva romântica até demais...

Eram inúmeras dúvidas.
Ela prometera deixá-las, todas -
a aeronave encontra-se no solo -
mas ali estavam elas, sentadas na 2B do vôo 1766

17.3.08

Da Júlix

As tiradas da Julinha

- Fabis, você já beijou na boca?
- Já, já beijei sim. Muitas vezes...
.... silêncio ...
- Eca

-----

- Fabis, você não quer casar?
- Quero sim, Julinha.
- Então por que você não se apaixona por alguém?
- Porque depois que a gente termina um namoro, demora um pouco pra gente se apaixonar...
- Você já se apaixonou?
- Ô. Até demais...

----

- Fabis, você quer ter filhos?
- Sim, Juju, gostaria muito.
- Ah! Eu também! Quantos filhos você quer ter, Fabis?
- Um, dois, não sei...
- Eu quero ter mil! Mil em apenas um minuto!

----

- Fabis, você tem carro próprio?
- Tenho, Ju.
- Então por que você não compra uma casa pra você de uma vez por todas?
- Eu já comprei, só que eu ainda estou pagando minha casa
- E aí depois você vai poder casar, né?
- Hmmm, não é necessariamente assim que funciona, Julinha...

---

(saindo de uma loja do Shopping Leblon)
- Aquele garoto estuda na minha escola
- Ah, você não falou com ele?
- Não. Eu detesto os garotos.
- Mas é importante você ser bem educada, Julinha, a gente cumprimenta as pessoas que conhecemos quando encontramos com elas na rua...
- Mas eu odeio os garotos.
- Se ele não te fez nada de mal, deve dizer oi, mostra que você tem bons modos.
- Tá. Mas eu não gosto de garotos.
- Han han. Mas isso vai mudar, Júlia (e mais rápido do que você pensa)

---

- Fabis, por que você usa sutiã?
- Porque eu tenho peitos e eles precisam ficar seguros debaixo da roupa
- Não fala peito. São seios...

----

- Fabis, você usa desodorante?
- Uso, senão eu fico fedorenta.
(ela enfia o nariz debaixo do meu suvaco)
- Hmmm, você tá cheirosinha...

----

Candanguices

Depois de quatro dias ininterruptos de chuva no Rio, volto pra casa hoje à tarde.
A lista dos mais mais do Rio dessa temporada

1 - As três horas de sol no segundo dia
2 - Cinema com a Júlia e o Zé
3 - Livros da Travessa, ah!
4 - Restaurante da Dona Henriqueta em Niterói - o melhor bacalhau que eu já comi!
5 - Por a fofoca em dia na casa da Mari
6 - Jogar Wii
7 - Fazer bichinhos de miçangas
8 - Dormir com um dilúvio caindo lá fora

E tudo que posso concluir é que há tempos eu não tiro as férias dos meus sonhos; que eu tô ficando velha e chata pra topar qualquer parada - ando mais e mais querendo fazer as coisas do meu jeito; que eu gosto muito mesmo da minha casa...

9.3.08

Cariocas



Acho que fico sem escrever aqui até a volta dessa viagem.
Em princípio, voltaria do Rio na outra semana.
Só que meus planos para o final de semana da Páscoa foram por água abaixo
E o plano B seria ir até São Paulo, para mais uns dias longe de Brasília.
Confesso que é B messmoo. Não estou no astral de cidade grande, ficar na casa dos parentes, tal.
Porém, me parece menos pior que passar dias chuvosos aqui no cerrado. Minhas dobrinhas estão esverdeadas de musgo!

Estou de férias, não tenho que planejar nada agora.
Minha única obrigação é por o biquini e as chinelas pra fechar a mala.
Ahhhh Ipanema! Me espere que eu tô chegando!

Se der, se quiser, se tiver boas novas, apareço por aqui.

Até a volta

8.3.08

Dia da Mulher Presente

Hoje a Lu vai embora pra Nova York
E eu vou arrumar malas
de viagem e de lembranças
levar presentes e deixar o passado

Hoje vou começar a esquecer
porque só agora faz sentido
que a dor que causei
não tem futuro que apague

Hoje é agora
ouvindo música
fazendo a faxina

Almoço
Compras
Festa de aniversário

E se uma lágrima quiser cair
Respiro fundo
E de novo
E de novo

Porque não posso pedir perdão por quem eu fui
Sabendo que era tudo que eu podia ser
E a lágrima não pode mais ser
Porque sou outra
A de agora
De outras lágrimas
E tantos sorrisos
Que eu sai que ainda virão

6.3.08

Lições de dança - parte I

Não tinha jeito. Lá em casa, se a gente escolhesse alguma coisa, tinha que ir até o fim. Não entendia muito bem o que isso significava, mas depois de 3 anos consecutivos implorando pra entrar na aula de jazz, meu pai me deu de presente, aos 12 anos, a matrícula da Academia Lúcia Toller.
Fiquei muito sem graça. Acho que foi a única surpresa da minha vida inteira.
As aulas eram três vezes por semana, no fim da tarde. Nos dias intercalados, tinha aulas de piano.
A minha primeira aula foi com uma amiga da escola. Ela já fazia ballet, mas era um alívio ver uma cara conhecida na sala.
Eu não tinha malha, meia-calça, sapatilha. Peguei um maiô da minha mãe, uma meia-calça social e cortei os pés. Fiz minha primeira aula descalça.
Ao chegar na sala, toda espelhada com barras de ferro em duas alturas rodeando toda a extensão das paredes, me dei conta - eu teria que me olhar no espelho.
Senti uma timidez profunda.
Vergonha do desenho do meu corpo, com seios de mulher e barriga saliente de menina.
Fiz a aula de camiseta, não tive coragem de ficar de maiô.
A aula seguia a dinâmica do ballet clássico - aquecimento na barra, barra, diagonal, centro, coreografia.
Os movimentos foram abaixando minha ansiedade e na hora da diagonal - que é quando aprendemos os saltos - me senti livre, feliz, voando.
Já não me lembrava da grossura das minhas coxas, da largura dos meus quadris. Já não me sentia feia, deslocada, baixinha, gordinha.
Eu dançava. E assim seria por muitos e muitos anos.
Na volta da academia, a pé, segui as rachaduras das calçadas causadas pelas imensas árvores que arborizam a Asa Sul. A força daquelas raízes empurravam o concreto, e de quebra nasciam gramas, florzinhas, saídas de formigueiros por entre as cavidades duras do chão.
Durante anos percorri o mesmo caminho, em diversas horas do dia, nos finais de semana, nas férias da escola.
As raízes quebravam o concreto, a dança moldava meu corpo.
Hoje vejo que foi dançando que me senti mulher - não foi o sutiã, nem as cólicas mensais, muito menos o primeiro beijo.
Dançar me acordou pra mim. E todos os anos seguintes percebia a cada aula, quem eu era e quem eu gostaria de ser.

5.3.08

Lições de piano - epílogo

O conservatório de música de Brasília ficava na 503 sul, bem na esquina.
Além de já usar sutiã, comecei a frequentar as aulas, duas vezes por semana, agora usando moddess aderente à calcinha.

As aulas de teoria eram numa sala minúscula e abafada, e eu sempre chegava atrasada. Era irresistível: eu dormia profundamente. Daqueles cochilos do pescoço cair pra frente e o lápis cair da mão. Nas provas, me saía bem o suficiente para passar raspando.

As aulas práticas eram no andar de cima, as pernas pareciam pesar mil quilos para chegar até lá. A professora era gordinha, baixinha, simpática. Estudava as peças dificílimas e em cada prova, passava de raspão. Ela me elogiava mas exigia mais dedicação.
E eu não queria me dedicar: além do piano, fazia também aulas de inglês e finalmente começava as aulas de dança que estavam consumindo meu coração de paixão.

Eu tinha que arranjar um jeito de convencer meus pais que música não era pra mim, mas que a culpa não era minha. E assim fiz:

Eis que chegou a fase da prova final - eu deveria me apresentar num pequeno recital de piano para uma banca de professores que me aprovariam para o Técnico - que é tipo um segundo grau para os músicos, hora de começar a pensar qual instrumento você quer ter quando crescer, tal.
Estudei o quanto eu consegui. A prova teórica veio primeiro. Eu mal consegui ficar acordada para terminar. E não passei.

O dia do recital chegou e estava nervosa. Além da peça que ensaiei muito, tinha que tocar dois ou três exercícios de escalas.
Era uma sala maior de todas, as professoras me olhavam com silêncio e carinho.
Mas eu não merecia. Errei inúmeras vezes, recomecei duas ou três.
E quanto mais eu tocava, menos eu enxergava a partitura, o teclado.
Estava surda, suada, e com o choro preso nos lábios.
Ao final, o olhar de piedade de todos já me dava a nota - saí da sala para chorar lá na W3.
Se eu soubesse que a metade era TPM... Mas eu tinha feito 13 anos, o elástico do sutiã apertava, a dor no pé da barriga era uma novidade grande demais, e aquela reprovação me fez a pior nova mulher do planeta!

A professora me explicou que meus dedos eram muito pequenos, que eu precisaria de mais um ano de prática para fazer a nova prova e que aí, quem sabe com dedos crescidos, passaria para o Técnico.

Voltei pra casa com a desculpa na ponta da língua:
- a professora falou que meus dedos são pequenos e como o médico disse que eu não vou mais crescer porque já fiquei menstruada, então minha carreira de pianista se encerra aqui. Eu não alcanço uma oitava com os dedos de cada mão. Não posso mais estudar piano.

Abandonei a música. Nunca fui me despedir da professora, nunca mais passei na frente do Conservatório.
E nunca mais o piano de casa tocou nas tardes quentes dos dias de escola.
Passados tantos anos, ele me olha com dor de desafinado, humilhado, incompreendido. Tipo eu quando saí daquela sala de recital.

O piano da sala e eu nos amamos sem nunca mais nos tocarmos.

4.3.08

Lições de piano - parte III

Na verdade, na verdade, a Dona Rosália foi a mulher que fez meu primeiro teste e me encaminhou para as aulas com a Regina. Agora, ela mudara para ainda mais longe - mas ensinava crianças de todas as idades, inclusive meninas de sutiã.
Recebia dois a três alunos por vez, enquanto um fazia a prática, os outros dois faziam teoria.
Não fiz amizade com ninguém, era imperativo manter meu mau humor. Eu ia a pé, depois do almoço, no sol de escaldar. Continuava detestando as aulas e amando praticar em casa. Não havia nenhum motivo aparente para ter amigos.

Mesmo assim, Dona Rosália era uma vovó carinhosa, distraída e engraçada sem querer. Fazíamos aulas na área de serviço e no quarto de empregada da casa dela. Eu nunca entendi como aquele piano entrou naquele quartinho...

O que eu mais me lembro da Dona Rosália era mesmo o cheiro de vovó, os olhos azuis, a voz fanha cantando as notas. Contava sempre um caso sobre alguém talentoso mas preguiçoso, enfatizava a importância da prática fora das aulas e elogiava minha postura correta, as mãos ágeias mas pequenas demais...
Ela ria sempre, elogiava todos sempre, mas nunca sentou-se ao piano para tocar.

Na chegada da adolescência, ela era o último resquício da minha infância.
E sabendo disso, me deu um novo endereço num papel. Era hora de estudar música num conservatório. Eu já estava moça, precisava aprender teoria pra valer. Aulas informais eram para crianças, eu deveria conversar com meus pais e convencê-los de pagar um conservatório. Andei no sol pensando se eu já estava convencida da idéia. A resposta era óbvia - não.
Eu não tinha a menor vontade de estudar música clássica num conservatório. Mas não sabia dizer não aos meus pais. Assim que soubessem que a Dona Rosália não me daria mais aulas, eu teria que estudar no conservatório.
Faria 12 anos em breve.
E pensei que a única manobra inteligente seria negociar a música pela dança. Só ficaria no piano se finalmente pudesse dançar jazz.
O zunido das cigarras começava.
As tardes ao piano de casa ficavam mais longas, mais quentes, menos divertidas.
Entendi que eu não queria ser pianista e que para tocar bem de verdade, eu deveria fazer escolhas - mais piano, mais teoria, mais conservatório. Eu não cabia no mundo da música. Ele era restrito demais para as minhas camisetas cortadas, meus anéis da feira hippie, meu cabelo repicado.
Só que tive medo de ser abondonada por este mundo mágico e nunca mais encontrar outro mundo que me acolhesse igual.
Senti um ódio profundo de mim.
Decidi nunca mais tocar bem o suficiente. Seria mais fácil largar a música se eu não tocasse bem.
Entrei em casa, tirei os sapatos e senti os tacos frios nos pés suados.
Agora, era por o plano em ação

3.3.08

Lições de piano - parte II

E lá vou eu para a casa da Valéria, a nova professora de piano.
Meu mau humor aumentou porque a casa dela era mais longe, o sol era mais forte, e a preguiça maior - estava entrando na adolescência, aquele sooono depois do almoço era totalmente incompatível com qualquer atividade intelectual.
Mas piano não era atividade, era chatice.
Então, lá vou eu, bocejando pela estrada a fora.
Toco a campainha fanha. Péeee.
Valéria abre a porta.
Ela era morena jambo, uns cabelos cacheados até os ombros.
Vestia uma blusa amarelo ovo que eu achei lindademorrer, calça jeans, sem sapatos.
Tinha um sorriso lindo e me deu beijo na bochecha.
O apartamento era iluminado graças à varanda larga, com cortinas fininhas nas paredes. O vento quente com cheiro do fim das chuvas entrava junto com a luz.
O piano ficava contra a parede do fim da sala de modo que se eu olhasse sobre o ombro direito via o Eixo Rodoviário, o Eixão da Asa Sul.

As aulas tinham a mesma rotina, mas Valéria era diferente da Regina.
Ela sorria. Ela me elogiava. E o melhor de tudo: ela tocava piano pra mim!
Todo fim de aula, a peça que eu pedisse - Bach, Bethoven, Chopin, Strauss, qualquer um da pilha de livros, partituras! Escolhia a que tinha mais risquinhos nas pautas, com o tempo mais rápido, com as notas mais estacatas!
E Valéria me ensinou como a música pode ser divertida.

Eu me apaixonei tanto por ela e ela por mim, que o piano virou a melhor hora do dia.
Voltava para casa e tocava insistentemente. Queria ter certeza que a Valéria iria gostar da lição. Chegava contando histórias da escola, solfejava me achando a melhor cantora do planeta.
Meu ouvido, minha sensibilidade, meu amor pelo instrumento, tudo cresceu rapidamente num curto espaço de tempo. Foi também quando comecei a usar sutiã.

Valéria não foi minha professora de piano por muito tempo. Acho que de tanto me dedicar, um dia ela me deu um papelzinho com o endereço e o telefone - de novo - de uma nova professora.
- Você já está muito adiantada, não tenho mais como ensinar você.
Beijou minha outra bochecha e me deu um abraço bem apertado e cheio de sorrisos.
Era minha hora de conhecer a Mãe de Todas as Professoras: a Dona Rosália.

2.3.08

Liçoes de piano - parte I

Cresci com um imenso piano Bechstein pós-guerra na sala de estar.
De tanto ouvir que eu deveria, resolvi querer aprender a tocar.
Nos meus sonhos mais alucinados, o piano seria a herança física que levaria daquela casa para a minha própria.

Eu acho que eu tinha uns 8 para 9 anos.
A professora se chamava Regina. Eu ia a pé, depois do almoço duas vezes por semana.
Ela era uma moça de uns vinte e poucos, morava com os pais, mas só conheci a mãe.
O apartamento tinha uma sala de estar grande, apinhada de samambaias, tapetes, cortinas e móveis coloniais.
Cheirava a limpeza, mas também a escuridão.
Mesmo durante o dia, as luzes ficavam acesas, as cortinas fechadas.
Regina era muito pálida, arrastava levemente uma perna, tinha cabelos pretos escorridos e mal cortados
E seus olhos deviam ser castanhos, se os óculos permitissem enxergá-los depois das lentes fundas.
Só vestia camiseta e calça de pano em tons claros. Um relógio dourado. Sem brincos, sem anéis.
Sem conversas.

A aula se resumia em três partes -
Teoria musical
Prática
Solfejo
Eu não sei qual detestava mais.
Aliás, odiava toda a experiência como um todo.
Música é matemática disfarçada. E eu sempre amei letras, não números.
Logo, eu me saía mal em tudo de teoria.
A prática era insuportável. Ouvia a música que deveria tocar, mas meus dedos não obedeciam.
E o solfejo era sempre acompanhado com as milhares de caretas de reprovação da Regina.
Eu tinha o ouvido muito bom. Mas ela sempre aumentava os erros, e nunca, nunca, nunca me elogiou.

Eu tinha 9 anos.
Eu cortava camisetas velhas, usava os brincos de plásticos que achava no armário da minha mãe.
Minhas mini saias mal me deixavam andar. Gostava do contraste das cores e tinha água oxigenada na franja.
Como aquelas aulas de piano clássico poderiam somar?
No meu desejo. De ser aceita, amada, querida. Insisti naquelas torturas semanais por anos a fio...

E por incrível que pareça, aprendi a tocar.
E o mais surpreendente até para mim, era que eu finalmente encontrara um momento só meu
- praticar em casa, no piano da sala.
Em breve, o barulho virou som. O som virou música. A minha, aquela que saía do meu corpo, da minha concentração.
As tardes passavam mais rápido quando ficava em casa. No início, era uma hora por dia. Mas logo, obcecada, estudava duas horas ininterruptas de piano em casa além das aulas.
Eu achara um jeito de gostar de múscia ao mesmo tempo que começava a gostar de mim. A matemática era complexa, mas decidira que seguiria meus ouvidos e meu coração - para mim, as contas dos compassos eram o caminho que eu entendia sem precisar dos números, da pauta, da clave.

Regina era intolerante, impaciente, antipática. Mas, de alguma forma, sabia que não era comigo. Algo me dizia, a cicatriz ao redor do pescoço, como um colar de farpas, era o motivo de tanta amargura, palidez, rebeldia afogada no som abafado da sala escura.
Eu gostei dela duas únicas vezes:
- a primeira, quando a mãe saiu do corredor que dava para os quartos e com uma voz estridente interrompeu minha lição, assim, como a dona da casa mesmo. Regina levantou-se ríspida, e curta e grossa, em alto e bom som, mandou a mãe sair dali porque aquela não era a melhor hora. Fiquei impressionadíssima. Adorei ver Regina responder `a altura, com altivez, com intensidade musical, qualquer pessoa, especialmente a mãe. Ela sentou-se novamente, bufou como de costume, voltamos ao solfejo.
- Numa outra ocasião, Regina me avisou que não me daria aulas por um tempo. Estava entrando de férias. Me entregou num papel, o telefone e endereço da substituta. Valéria seria minha nova professora de piano.