14.12.14

Hoje é dessas noites que todo o cansaço não me faz dormir em paz. Imagino que o afago de um abraço, um beijo mais afetuoso sejam antídotos para o medo que o acordar me inspira. Mas, por hoje, vou fechar os olhos com força entre as lágrimas - que nem sei mais se são pela doente ou por mim mesma - e torcer para o sono vencer a tristeza mais rápido que de costume.

É que me deu um medo imenso de morrer assim, só. Envelhecer, adoecer, morrer, sozinha, sozinha.
E no caminho disso, que eu ainda espero ser longo, seguir vivendo todas as despedidas também sozinha. Sem um abraço na entrada de casa. Sem uma conversa no escuro dos travesseiros. Nada. Só isso mesmo, anos e anos de lágrimas no escuro.

Uma noite como essa, é difícil pra caramba apagar as luzes, fazer silêncio, fechar os olhos e dormir, só.
Nos piores cenários que pintei, nunca pensei na minha vida adulta com uma solidão tão brutal.
São tantos anos que já sei: hoje, eu mesma acendo a vela, faço o chá, arrumo a cama. Eu mesma levanto no meio da noite, do pesadelo, e pego um copo de água.

Agora, não é diferente: mais uma noite que eu preferia ter um par... mas, é isso: deixa eu me levar para vestir um pijama quente, entrar debaixo dos lençóis macios e me encolher na cama grande sussurrando, como todas as noites antes que, quem sabe, um dia desses, o vento muda, a sorte gira e a vida me faça par, parceira. Quem sabem na próxima despedida que a vida trouxer, eu tenha um abraço calado em casa para mim, só para mim.




9.12.14

Uma de tantas

Eu devia ter uns seis anos ou menos. Mas era assim: na hora de ir embora, insistia pra ficar. Eu acho que era tudo meio ensaiado, mas gostava de convencer e pedir, e pedir. Dava sempre certo no final: beijos e abraços e já corria pro chuveiro. Banho quente, xampu cheiroso e neutrox amarelo, aquele aroma de prateleira de farmácia. Vestia emprestado um pijama descombinando, tomava sopa fervendo de macarrão com feijão.
As cadeiras da mesa de jantar tinham um cheiro de madeira encerada, mistura de lustrador de móvel com amaciante de roupas. Eu me sentava e o nariz praticamente alcançava o tampo da mesa forrada de toalha de mesa bem passada, com o risco da dobradura que o ferro quente faz.
Vovó penteava meu cabelo fino, longo e embaraçado com paciência e cuidado, mas com pressa sempre.
Boa noite, dorme com os anjos, amém. Beliche. Cama de baixo, frestas de luz no teto, subia o lençol macio até a testa, e de olhos abertos aspirava com força o cheiro do sono chegando, chegando, chegando.
Acordava quase de noite ainda, pão prensado no tostex de ferro, com manteiga e sal, embrulhado no papel do saco de pão marrom da padaria. O leite com chocolate em pó no copo alto, com a colher grande dentro, pra mexer o fundo e diluir o mundo de açúcar.
Não tinha nada de especial, mas tudo era muito particular: antigo, limpo, usado, muito usado. Tudo.
Eu adorava tudo.
O jeito das coisas, a posição dos objetos, os aromas agradavelmente bagunçados.
E os olhos azuis da vovó, concentrados por trás dos óculos, desatentos a mim, fazendo tudo acontecer para eu me sentir especial. Nunca deu errado.
Lá ia eu, andando atrás, passos curtos e rápidos, alcançar o ônibus escolar. Minhas tias eram 3, 4 anos mais velhas só, estudávamos as três na mesma escola.
Depois de passar o domingo na casa da vovó, meus pais me deixavam dormir lá e acordar segunda-feira direto para a escola.
Talvez isso tenha acontecido três vezes, talvez trinta. Ou, talvez, tenha sido só um feixe de luz no teto, por baixo do lençol azulado até aqui em cima, cobrindo a testa.