27.5.09

A velha nua

...sobre o video aí embaixo....

A coisa que mais me impressionou assim que cheguei em Nova York - em setembro de 1996 - foi o número de loucos na rua.
Pessoas chorando sentadas no chão, outras falando sozinhas em línguas indecifráveis. Gente nem tão suja, nem tão feia, mas com olhos vidrados no nada.
Passava por elas imaginando o que teria acontecido a tanta gente para simplesmente se tornarem carcaças ambulantes.
Logo a resposta começou a chegar: fiz amigos, arrumei um emprego, mudei de casa, comecei a namorar, tudo lindo.
Eu era uma nova yorkina perfeita: trabalhava muito, malhava pouco, fins de semana na grama do Central Park, brunch com amigas, cinema com namorado.
Até que - perdi o emprego. Sem dinheiro guardado para mais de um mês, nos meses seguintes, estava completamente deprimida. Não sabia o que fazer, por onde começar, a quem recorrer. E com muita vergonha de ter fracassado.
Entrei numa depressão tão profunda que pensei em morrer.
Eu pirei total pela primeira vez na vida.
E escondia dos meus amigos porque claro, nenhum americano teria pena de mim. Para eles, desempregado é um fraco de caráter, anda junto com traficantes, ladrões de velhinhas.
Sofri calada e quanto mais calada eu ficava, mais sofria. Comia miojo noite e dia e andava a pé - para guardar o dinheiro do metrô - e aí comecei a olhar nos olhos daqueles loucos. Com alguns, trocava palavras - hello - com outros, dividia o almoço do dia - o baggle com cream cheese - me sentia cada vez mais à vontade quase pertencendo ao outro lado da maçã. O lado improdutivo, fraco, pobre e sujo. E louco. O lado podre da Big Apple.
Numa tarde morna de verão - eu acho que voltava de mais uma entrevista de emprego - eu a vi.
Lá longe, entre o meio-fio e a fila de carros no asfalto, vi um ser movendo-se languidamente.
Uma velha morena, alta, muito magra com cabelos brancos e compridos até os ombros, esvoaçados ao vento quente - uma velha andando no meio da rua, não na calçada como toda a multidão de pessoas, mas na pista de carros. Se aproximando de mim, ela olhava fixo para o nada. E estava totalmente nua. Sem sapatos, nua. Andando, nua.
Na mesma noite, confessei para o meu namorado que estava pirando pra valer - ele me olhou fundo nos olhos e fez um escândalo - praticamente me chamou de idiota, burra, estúpida - e me convenceu a procurar um emprego qualquer, de garçonete que fosse.

Duas semanas depois, estava empregada como office girl num escritório de arquitetura e decoração. Pagava contas no banco, devolvia amostras de tecidos e anotava recados de grã-finos.

Paguei as dívidas, voltei a andar de metrô, saí da depressão. Passei anos sem comer miojo. Mas nunca mais olhei aquelas pessoas com olhos distantes. No fundo, somos todos iguais. Eu só tive uma chance a mais. E a velha nua ainda me visita vez ou outra em sonhos e pensamentos.

Um comentário:

  1. Fabis, to curtindo muito seu blog. Suas colocações, posições e a maneira como você expressa seus sentimentos são fantásticos.
    Um grande beijo.

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