18.5.10

O lado bom

Como se não bastasse meu pai na UTI, no mesmo dia, bati o carro.
Quero dizer, bateram no meu carro.
Poderia dizer que eu estava sem dormir, com o corpo todo moído de tensão, os olhos molhados de lágrimas - mas eu estava PARADA, esperando minha vez de entrar na principal!

O solavanco que senti no pescoço, nem doeu na hora. Amassou a traseira, o porta-malas não abria.
Saí do carro tranquilamente, vi o Citroen C5 da senhora e só perguntei:
- A senhora se machucou?
- Não.
- A senhora está sozinha?
- Sim.
- Me desculpe, mas meu pai está na UTI do coração e eu não tenho a menor condição de discutir isso aqui com a senhora. Me dá seu número e eu ligo pra senhora mais tarde, talvez a semana que vem.
Se ela balbuciou algumas coisas, nem sei. Deixei a mulher sozinha, entre buzinas e xingamentos, atravancando o trânsito.

Entrei no carro. Tremendo, com ânsias de nervoso. Parei numa farmácia, tomei um relaxante muscular.
- Bati o carro, falei pra minha mãe.
- Meu Deus, e agora?
- Nada. Já tomei um relaxante; depois, faço fisio, ressonância, acupuntura. Depois.
- E o carro?
- Depois eu arrumo. A mulher falou que vai pagar - falou nada. Mas nem tinha ânimo pra entrar nessa discussão.
...
Minha mãe contou pro meu pai. Que me viu e foi logo perguntando:
- Amassou muito?
- Não.
- Anotou a placa?
- Han han - mentira. Nem me lembrei disso! - a mulher falou que vai pagar. - outra mentira. De novo. Mas é a mesma, daí só conta uma vez.
Meu irmão chegou:
- Antou a placa?
- Han han, a mulher vai pagar.
- Fez BO?
- Ainda não, faço hoje quando chegar em casa - que foi por volta das onze e meia da noite. Nem liguei o computador.
...
Passada uma semana, liguei para a senhora do Citroen. Ela me passou o telefone do marido que é quem resolve as coisas de carro. O marido disse para eu consertar o carro com quem fosse de confiança, que ligasse pra dizer o valor do orçamento. E pediu desculpas pelo infortúnio umas cinco vezes. E desejou melhoras ao meu pai umas dez.
...
Mais uma semana, ligo para o marido da senhora do Citroen.
600 reais.
- Como a senhora prefere fazer?
- O que for melhor para o senhor. Se o senhor quiser ir até a oficina e fazer o cheque para pegar a nota fiscal, podemos nos encontrar lá. Ou o senhor pode fazer um depósito para mim e eu repasso para o mecânico.
- Eu faço o depósito agora. E de novo, desculpe pelo infortúnio, melhoras a seu pai e tudo de bom.

Assim.
Dois minutos depois, o dinheiro estava na minha conta.
Fim.
...
Será que se eu fosse muito má, um homem bom teria batido no meu carro?
Não.
Será que se eu fosse uma filha horrível e não estivesse indo ver meu pai no hospital, meu carro estaria intacto?
Sim.
É isso: eu sou legal, pessoas legais cruzam o meu caminho. Nas piores situações.

De um jeito torto, todo dia o Universo me mostra que minha trilha é essa mesma: seguir sofrendo, aprendendo, mas com certeza absoluta que em tudo tem um lado bom. Se eu não vi ainda, já já acontece um acidente pra me mostrar bem de pertinho.

ps - já já já fiz ressonância, RPG, acupuntura. E não é (totalmente) mentira. Juro.



3 comentários:

  1. Menos mal, prima, menos mal. O ditado diz "aqui se faz, aqui se paga". Mas a gente tb pode adaptar pra "aqui se faz, aqui se recebe", não?!
    Melhoras pra vc e pro tio. E cuide mesmo desse pescocinho!!!
    Beijos!

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  2. Oi, Fabi!
    Melhoras pro seu pai! E lamento pelo carro... mas eu imagino que nós pensamos mais ou menos igual: é só um carro, né?

    Já disse que adoro seus textos, né?

    E obrigado pelo comentário, muitíssimo bem-vindo e em boa hora. :O)

    Beijos!

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  3. fazendo sempre (ou quase sempre, sempre q possível ao menos) o bem, ele volta pra gente em algum momento, não é mesmo?
    nem q seja pago por outra pessoa, em outra circunstância.

    mas e seu pescoço, como está?
    e seu pai? 100% já?

    =)
    bjosss

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