11.9.06

11 de setembro de 2001

Acordei antes do despertador.
Mesmo morando há seis anos em Nova York, o céu super azul anil sempre me enganava no outono. Olhei do nono andar para a árvorezinha da esquina. Não ventava. Uau. Talvez fosse um dia quente enfim...
Entrei e saí do banho.
Liguei a CNN para checar o tempo mais uma vez, agora pela meteorologia. Estava feliz. Mesmo preocupada com a mamãe no Brasil, era sempre bom viajar pra casa.

Olhando a TV de pé, com a escova de dentes dentro da boca, vi as Torres Gêmeas atingidas por um avião.
"Um piloto maluco! Num dia tão azul, como pôde acertar em cheio assim?"
Liguei para mamãe.
"Olha, caiu um avião aqui. Mas eu tô viva, tá tudo bem. Vou pro trabalho e depois vou no Serviço de Imigração. Não, não é terrorismo mãe." - ai que raiva que eu tinha dessa paranóia brasileira de meter os americanos em tudo de ruim que acontecia no mundo! - "Foi só um acidente. Deixa eu ir. Beijo."
Desliguei e engoli o café quente. Não era um acidente, claro.

Desci até a 96th Street para pegar as fotos.
"Isso é coisa dos judeus! Revanche de tantos anos de falta de apoio dos judeus de cá com os de lá" - me afirmou o homem da lojinha de fotos. A pele cor de canela, o turbante, o sotaque oriental. Poderia ser muçulmano. Ou um indiano sik, que também usam turbantes para guardar os cabelos longos. Para mim, tanto faz. Morando nessa panela de gente do mundo todo, eu não enxergava mais as diferenças como tal. Era tudo gente.

O metrô estava estranhamente vazio. Adorei ficar sentada a viagem toda até a 59th Street.
Subi as escadas do metrô pulando os degraus.

E vi a fumaça no céu. Preta, densa, longe, mas muito visível. Cara de fábrica limpando as chaminés, pensei.
O saguão do prédio da ABC Network vazio.

O elevador vazio.
O hall de entrada da Disney, lotado de pessoas assistindo a TV. Durante o meu percurso no metrô, mais um avião atingira as Torres.


Fiquei ali olhando pra cena que já tinha visto de manhã. Num estalo, entrei no meu email e mandei uma mensagem rápida para o Brasil. Estava bem, a cidade estava normal. Tentei ligar a cobrar, não completou.

Um colega saiu correndo encontrar a esposa que trabalhava na primeira torre atingida. Eram cinquenta quadras, por que não pegava um taxi? Porque o trânsito estava interditado até maiores informações.
Sobre o quê? Como assim?


Foi então que o Pentágono surgiu no noticiário.

Fiquei ali. Eu acho estão atacando os Estados Unidos. Eu acho que começou uma guerra.
Não consegui mais ligar para o Brasil.


O administrador do prédio pediu nossos nomes e telefones de contato. Assinamos uma lista imensa e evacuamos o prédio pelas escadas de serviço. Ameaça de bomba? Como assim? Por quê?
Era hora do almoço mas eu não sentia fome. Nem medo.
O trânsito parado, metrôs e ônibus. Uma multidão de pessoas andando.

Uma cara de feriadão.
Andei as quase cem quadras. Não senti as bolhas nos pés.
O dia estava lindo mesmo. Mas agora, o vento soprava e eu não sentia os olhos ardendo.

Liguei a TV, liguei pra lista de amigos. Só consegui falar com o Gaudêncio, que desceu as trinta quadra que nos separavam para sentar diante da TV comigo.

Ficou noite. Era hora de jantar. Eu não tinha fome. Nem medo.
Eu perdi meu horário no Serviço de Imigração. Mas não posso cancelar a viagem.

Consegui uma conexão na internet e mandei mais um email para o Brasil.
Os telefones estavam mudos.
A TV repetia tudo de novo. Desliguei.
Deitei na cama grande demais.
Não senti o frio pelas frestas dos lençóis.
O reflexo da noite no teto. O ruído dos aviões rasantes disparavam meu coração.

Não coloquei o despertador na cabeceira.
Eu acordaria antes de tudo.
Criei o dia seguinte na cabeça:
Tinha que chegar no Serviço de Imigração, pegar minha permissão de viagem, comprar as lembrancinhas pro pessoal, terminar de arrumar a mala.
Tinha que ligar em Londres, tinha que me despedir do Gaudêncio, tinha que falar no Brasil.

Eu tinha que dar um jeitinho brasileiro pra esse terrorismo e aterrisar no Brasil até o dia 15 de setembro.

Eu não ia morrer assim - sozinha, de noite, sem sono, num ataque terrorista.

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