11.9.06

13 de setembro de 2001

Não sei se dormi.
Abri os olhos com o barulho ensurdecedor de aviões rasantes.
O céu muito nublado. Inacreditável. Será que vai nevar?

Os telefones estavam funcionando, a internet também.
As pontes da cidade estavam abertas. O trânsito estava normal.
Falei com Ethan. E com o Brasil. Calma, fria, estava indo ao Serviço de Imigração.

Peguei o metrô até a 14th Street e a 7a. Avenida. Dali, os trens não saiam mais.
Estava em frente a um hospital - uma fila imensa na porta. Doadores de sangue.

Peguei o primeiro ônibus que passou. Lotado. De bombeiros. Um silêncio absoluto.
O ônibus parou na Varick St. com a Houston St. Dali, ninguém mais passava. Só os bombeiros.
Era longe para caminhar até o Serviço de Imigração.
O que eram aqueles caminhões frigoríficos em fila?
Caía do céu uma cinza fina, como de cigarros. Mas bem mais fina.
Um cheiro de incêndio.

Um policial de pé na esquina da Broadway me avisou:
- Não pode passar
- Senhor, eu tinha uma entrevista marcada no Serviço de Imigração. Viajo ainda hoje para o Brasil. Minha mãe está doente.
- Sinto muito, entendo o que quer dizer, mas não há aviões, não há expediente no Serviço de Imigração.
- Eu sei, mas eu tenho que estar no Brasil até amanhã. Meu vôo sai hoje à noite do JFK.
- Não senhora, o seu vôo não terá permissão para sair. Eu sinto muito.
- Tá bom, mas eu preciso ir até o Serviço de Imigração para perguntar o que posso fazer para viajar sem a autorização devida.
- Senhora, sinto muito, a senhora não tem como viajar porque o espaço aéreo do país está fechado. Não há vôos. O Serviço de Imigração está fechado por medidas de segurança nacional
- O senhor acha que eu vou poder chegar até o Serviço de Imigração?
- Não senhora, está tudo fechado.
- O senhor sabe quando eles vão abrir o espaço aéreo?
- Não senhora. - ele tentou sorrir.
Eu não consegui chorar.

Voltei a pé até a Times Square. Sessenta quadras.
O vento cinza, a cidade cinza, o barulho insuportável das sirenes de bombeiros.

Eu precisava falar com o Serviço de Imigração. Parei em inúmeros orelhões. Todos quebrados.
Uma lufada de vento mais forte bateu no meu rosto. Estava sem chapéu, sem luvas, sem cachecol.
E veio o cheiro.
O cheiro de cabelo que queima. Como quando eu era criança e o fósforo queimou meus cílios.
O cheiro de gente, de pele. O cheiro de bicho. Como quando pulava na piscina e a pele quente de sol esfriava rápido.

Meu estômago virou. Era fome, era sede, era o cheiro?
Minhas pernas estremeceram. Minhas entranhas doíam.

No apartamento, arrumei uma mochila.
Separei todos os papéis de imigração e o passaporte.
Dinheiro em cash.
Mandei um email para o Ethan.
Liguei para o Gaudêncio. Venha para cá. Eu vou viajar para o Brasil.
Liguei para o Brasil. Com meu irmão do outro lado, pensei na estratégia mais inteligente possível. Alugar um carro e atravessar o país até o México.
Liguei para todas as locadoras da região. Nenhum carro disponível.
Liguei para a primeira na Filadélfia, a duas horas de trem de Nova York. Reservei um Toyota simples no meu nome para o dia seguinte de manhã. Milhagem livre, tanque cheio. Para devolução em Austin, Texas.
Sentei e esperei.
O Gaudêncio chegou, sentou e esperou. E foi embora.
Desliguei a TV.
O cheiro em todo lugar.
As sirenes em todo lugar.
Aviões rasantes sumiam e apareciam.

A cama ficou pequena, o frio eu nem sentia.
Os riscos da rua no teto tomaram outras formas.
Fiz tudo que quis, sempre. Não me arrependo de nada até aqui.
A roupa lavada, comida na geladeira, as contas do mês pagas.
Um amor vivido, dois países queridos, tantas pessoas inesquecíveis...

Fechei os olhos sorrindo.
É. Seria um bom momento de morrer.

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